CITYZINES é um projecto editorial que resulta de um debate e investigação conduzidas pelo grupo de investigação Centro de Comunicação e Representação Espacial (CCRE), integrado no centro de I&D da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), em colaboração com a Associação Cultural Cityscopio, desde o início de 2012 em torno das publicações alternativas e da sua importância na produção e criação em arquitectura. O projecto editorial teve o seu primeiro debate público e exposição em 2012 com a recepção da exposição internacional Archizines, mas a investigação evoluiu e hoje contamos já com cerca de 100 exemplares na nossa colecção pioneira em Portugal. Este trabalho editorial que implicou a agregação e edição de diversas contribuições e inicia uma colecção dedicada exclusivamente às publicações alternativas, apenas foi possível através da investigação levada a cabo nos anos 2014/2015, de reestruturação das unidades curriculares do 1º e 2º Ciclos, em especial o trabalho de refinamento científico e pedagógico da unidade curricular de Comunicação, Fotografia e Multimédia (CFM) do Mestrado Integrado em Arquitectura na FAUP. Este trabalho de reestruturação implicou um exercício de experimentação e evolução dos conteúdos programáticos e estratégias pedagógicas adoptadas nos últimos 14 anos e que deu azo a diversos artigos científicos sobre estratégias pedagógicas para as áreas artísticas e de arquitectura, bem como a organização e participação em diversos debates e conferências sobre estas temáticas e inúmeros contactos internacionais e nacionais nas áreas da Comunicação de Projecto e Fotografia de Arquitectura. É importante referir que este livro teve também a participação de diversos alunos da unidade curricular de CFM que se interessaram por este projecto e para ele contribuíram. Acreditamos assim que este livro e projecto Cityzines é, por um lado, um significativo contributo para a actualização da oferta curricular do curso de Mestrado Integrado da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (MIARQ), devido à sua ligação com as unidades curriculares de CFM e CAAD. Por outro lado, um contributo importante para dar resposta à procura, cada vez maior, por parte dos alunos, da compreensão alargada do processo de concepção e comunicação do projecto de Arquitectura como disciplina integradora de outras dimensões: a Imagem e a Fotografia.
O projecto editorial Cityzines, estruturado através de um programa que pretende promover o mundo editorial de publicações alternativas portuguesas conhecidas pelo nome de fanzines (zines) e ligadas à temática de cidade (city), ou seja, incidindo sobre a riqueza multifacetada da cultura urbana, arquitectónica e visual que caracteriza estes aglomerados urbanos e suas vivências. Pretende-se, assim, construir na FAUP um programa de eventos, exposições e uma colecção física pioneira sobre este tipo de publicações que pontuam estrategicamente o nosso território e que estão, na sua maior parte, muitas vezes esquecidas ou apenas conhecidas por um público muito particular. A especificidade deste projecto no que respeita ao seu país de origem – Portugal – é contrabalançado pela abrangência e diversidade do universo temático que vai cobrir: arquitectura, espaço público, cultura urbana, desenho, fotografia e cinema. O projecto Cityzines vai desta forma contribuir para criar um espaço de debate e comentário crítico, bem como incentivar e divulgar a produção e criação de cityzines portuguesas a nível nacional e internacional.
A palavra Cityzines que dá o mote principal a este projecto, é efectivamente o resultado da junção de duas palavras: city + zines. Reflectindo, em primeiro lugar, sobre a palavra que desperta mais curiosidade, zines (fanzines), somos imediatamente levados a querer saber qual a origem deste prefixo. Zine, na língua inglesa, pode ser entendida como a palavra abreviada para designar magazine, que por sua vez tem a sua origem na palavra árabe makhazin – o plural de makhzan, significando armazém – storehouse1. Já fanzine é o resultado de uma combinação de duas palavras – fan e magazine ou zine – e caracteriza-se por ser uma publicação alternativa criada por adeptos (fans) de determinada temática ou fenómeno cultural. Embora hoje em dia exista uma grande diversidade de publicações alternativas (fanzines) pertencentes a áreas temáticas ou culturais diferentes, como este nosso projecto Cityzines é disso exemplo, parece ter sido a ficção científica a temática que desde cedo influenciou muito as fanzines2. Sendo verdade que estas publicações alternativas caracterizavam-se, na sua origem, por serem pequenas publicações periódicas, produzidas pelos próprios autores, que eram também os editores, e com edições mínimas, normalmente muito irreverentes e dirigidas ao conceito de contra-cultura escolar ou cultura de resistência, espírito este que ainda caracteriza as fanzines nos seus diversos universos temáticos3, também é importante referir que, na actualidade, este tipo de publicações é diverso e estas já não podem ser entendidas apenas como espaços minoritários, compostos por um pequeno número de pessoas resistentes à cultura dominante do sistema. De facto, nas duas últimas décadas, a proliferação destas publicações alternativas alcançou números verdadeiramente impressionantes4 e o interesse que têm suscitado, quer nos meios académicos, como no público em geral sobre a diversidade de temáticas, conteúdos e grupos a elas ligados tem sido crescente5, e a diversidade de tipo de publicações que podem ser integradas neste universo é também enorme, como também pode ser comprovado pelo nosso projecto Cityzines.
É importante referir que não existem fronteiras claras que separem a fanzine de um livro de artista e este de um fotolivro6 e algumas fanzines foram pontos de partida para publicações menos amadoras, muitas vezes conhecidas por prozines. Para além disso, é importante referir que em diversas áreas disciplinares e artísticas como, por exemplo, em arquitectura e fotografia, este tipo de publicações alternativas – fanzines (zines), fotolivros (photobooks), pequena revista (Little Magazine) e outras similares – foram responsáveis por influenciar importantes correntes de pensamento, movimentos e práticas profissionais de muitos autores e grupos institucionais. Só para citar alguns exemplos, pequenas revistas dos anos 70 ligadas ao universo da teoria e da história da arquitectura como o caso da publicação independente e crítica de pequena tiragem nascida em Barcelona, a Arquitecturas Bis de Oriol Bohigas, Enric Satué e Rosa Regas. Esta publicação alternativa foi, segundo Moreno7, “(…) capaz de reactivar e incorporar a energia e agilidade das publicações através das quais as vanguardas históricas se tinham apresentado e consolidado”. Outro exemplo significativo, mas agora um pouco diferente e já no universo da fotografia documental e ficcional, são as publicações em fotolivro (photobook) que, desde o seu advento, em paralelo com a invenção da própria fotografia, têm sido um instrumento crucial para a disseminação da imagem fotográfica e o espaço fundamental para a criação de narrativas fotográficas, quer por parte do fotógrafo-autor, quer por parte do editor ou de ambos8. A sua influência na prática, teoria e história da fotografia tem sido inquestionável, como também pode ser atestado pela leitura do clássico de Martin Parr e Gerry Badge, The Photobook9 e, mesmo na actualidade, são diversas as publicações alternativas do tipo livro de artista ou fotolivro que estão a influenciar de forma activa e inovadora, quer o mundo da teoria e história da arquitectura10, como o da fotografia, como instrumento de representação ficcional e documental do território e suas vivências, sendo inclusivamente objecto de estudo e de trabalho no universo académico11. Por fim, podemos também considerar o universo das publicações alternativas (zines) como revistas (fanzines) e livros (bookzines) alternativos, ou seja, onde a periodicidade, conteúdo e autores pode variar imenso.
Somos assim levados a aceitar a diversidade de formatos e conteúdos que estas publicações alternativas integram e a reconhecer que as fronteiras que separam muitas delas são de difícil definição, como já foi explicado neste texto. Esta diversidade e as fronteiras por vezes pouco claras, aconselha a adoptar uma estruturação flexível por afinidades ou temas, reflectindo a riqueza multifacetada do universos das fanzines e/ou dos livros de artistas/fotolivros, que se apresentam sempre sobre uma grande variedade de formatos e conteúdos e que, na maior parte dos casos, permitem problematizar de forma significativa e original o que é e, sobretudo, o que pode ser a transmissão de conteúdos sobre cultura urbana, arquitectónica e visual, quer através de formato impresso, como digital.
Notamos, no entanto, que a importância que o suporte físico em papel teve na história das fanzines contínua actual, embora de forma diferente, na nossa era digital. Na verdade, o suporte do papel acrescenta algo de “novo” pelo envolvimento táctil proporcionado pela interacção física do virar das páginas da fanzine. No entanto os dois suportes complementam-se, reforçam-se e criam sinergias entre si12. Na verdade, já há algum tempo que não podemos falar apenas de publicações alternativas analógicas em papel, mas temos que considerar os suporte digitais e em rede, surgindo assim as publicações alternativas digitais webzines, e-zines ou e-fanzines. Neste contexto, o nosso projecto tem uma importante componente digital e de rede que são entendidas como instrumentos que podem criar sinergias e estabelecer pontes comunicativas, permitindo uma maior abrangência da mensagem e interacção em volta destas temáticas. Este contexto assume particular importância nos espaços de divulgação das fanzines que pretendem incorporar soluções de suporte a dispositivos móveis touchscreen tais como tablets e telemóveis, com o objectivo de valorização do acesso interactivo à informação digital das fanzines. As publicações que constituem a colecção editorial do projecto Cityzines estão catalogadas na biblioteca da FAUP e estão agrupadas pelos diversos temas, sem que isso signifique fronteiras que compartimentem as diversas fanzines de forma rígida porque existem sempre publicações onde é difícil definir os seus limites e onde a riqueza está nos espaços intersticiais e interdisciplinares que apresentam. A estrutura de temas é a seguinte: Fotografia Artística e Documental: Arquitectura, Cidade e Território (A1), Arquitectura/ Cultura Arquitectónica (A2), Desenho/Curadoria (A3) e Cultura Urbana (A4).
As exposições Cityzines assumem-se como espaços significativos de divulgação do universo das fanzines portuguesas, constituindo lugares inéditos de referência e de interesse interdisciplinar. Pretende-se que sejam exposições itinerantes de forma a assegurar a melhor acessibilidade e divulgação junto dos diversos públicos potencialmente interessados nestas publicações alternativas, quer no universo académico como no do grande público. As conferências e mesas redondas Cityzines pretendem ser espaços influentes para fomentar a troca de ideias e também de divulgação do universo das fanzines portuguesas. São diversos os temas e as questões que podem ser tratadas nestas sessões e, naturalmente, as diversas temáticas e assuntos a debater permitirão oferecer diversas mesas redondas temáticas onde se pode apresentar diversos tipos de trabalhos e discutir a transmissão de conteúdo neste tipo de publicações, bem como a sua capacidade crítica independente, acessível e democrática.